O brasileiro que peitou a Nasa para refazer o mapa-múndi em altíssima definição com tecnologia alemã
Julho de 2010 foi o mês mais tenso da vida de Alberto Moreira. Pilotando dois satélites alemães de R$ 540 milhões (125 milhões de euros), a 514 km de altitude e 28 mil km/h, o engenheiro eletrônico brasileiro iniciou uma das manobras mais ousadas da corrida espacial em todos os tempos. A missão era emparelhar os bólidos a 150 m um do outro - algo como dirigir dois carros a 200 km/h, lado a lado, com 1 m de distância entre eles. Não bastasse a pressão do momento e o grau de dificuldade, a Nasa, temerosa - e talvez invejosa - pelo arrojo de Alberto, enviava mensagens diárias alertando para o risco de colisão. "Eles pediam, por favor, para a gente aumentar a distância entre os satélites. E a gente dizia para eles ficarem calmos porque os satélites ficariam ainda mais próximos", revela Alberto.
Foram quase três meses até que as trajetórias dos satélites TerraSAR-X e TanDEM-X se alinhassem para cumprir seu propósito: fazer um mapa 3D do planeta com resolução sem precedente - a margem de erro das imagens coletadas é de apenas 2 m. Depois dessa fase, os equipamentos atingiram uma posição estável e a agência espacial americana parou de mandar os avisos. "Até hoje ninguém tinha feito dois satélites voarem assim", vibra o brasileiro, que desde 2001 é diretor do Instituto de Micro-ondas e Sistema de Radares do Centro Aeroespacial Alemão (DLR) - o equivalente germânico da Nasa - e capitaneia o projeto TanDEM-X, uma parceria público-privada entre o DLR e a empresa francesa Airbus.
A partir de outubro, mais de 100 mil pesquisadores terão acesso aos dados topográficos do TanDEM-X, revelando a superfície do planeta com grande precisão - dos relevos submersos nos oceanos às curvas de cada morro e montanha. Após quatro anos de coleta de dados e 2,5 mil terabytes produzidos, os pesquisadores já montaram 70% do mapa. Ainda faltam os 30% mais difíceis: cadeias de montanhas como os Andes, Alpes, Pirineus, Himalaia e as Rochosas. Essa fase final do processamento - também conhecido como renderização - se estende até meados de 2016: 30 anos depois que Alberto chegou à Alemanha para o doutorado com essa ideia ambiciosa na cabeça.
Lá em 1986, pouca gente no mundo além de Alberto imaginava que tipo de tecnologia usar para fazer um mapa topográfico uniforme da Terra. Até então, alturas e profundidades eram representadas por gráficos simulando texturas e traçados (curvas de nível). Ele tinha o sonho de usar radares no mapeamento da superfície da Terra. Como ainda não havia tecnologia disponível na época, a solução foi desenvolver os recursos e testá-los no próprio DLR, já que o centro alemão demonstrava interesse nas pesquisas que o jovem brasileiro desenvolvia.
Nascido em São José dos Campos, interior de São Paulo, Alberto saiu de uma escola pública estadual direto para o Instituto Tecnológico Aeroespacial (ITA), até hoje um dos cursos superiores mais difíceis do vestibular. Chegou a Oberpfaffenhofen, um vilarejo alemão a 30 quilômetros de Munique, com uma bolsa de estudo. Logo no segundo dia de estada, soube que o diretor do instituto do DLR queria conhecê-lo. De cara, o supervisor aprovou as aspirações de Alberto.
Os bons resultados foram logo reconhecidos e sete anos depois, em 1993, Alberto já era o chefe de pesquisa. Três anos mais tarde, virou chefe de departamento e, em 2001, tornou-se o mais jovem pesquisador - e o primeiro estrangeiro - a assumir a direção de um instituto do DLR. Desde então, trabalha na mesma sala em que entrou como estudante para se apresentar ao diretor. "Eu nunca poderia imaginar que, um dia, estaria sentado nessa cadeira como diretor", confessa.
Alberto Moreira